Dia da Umbanda: líderes religiosos do Alto Tietê destacam avanços e desafios contra a intolerância
Dia Nacional da Umbanda é comemorado neste sábado (15)
Karina Alves dos Santos/Arquivo Pessoal
O Dia Nacional da Umbanda é comemorado neste sábado (15), e é simbolo da luta das religiões de matriz africana e da representatividade da cultura afro-brasileira.
A data também é um momento de celebração e de combate ao preconceito e a intolerância religiosa.
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“Já passei por intolerância religiosa. Quando eu estava toda de branco andando na rua, quando as pessoas me viam na calçada, parecia que tinha uma doença contagiosa, as pessoas trocavam correndo de calçada, é um preconceito terrível”, relembrou Karina Alves dos Santos, mais conhecida como mãe Karina de Oyá que é a zeladora da Casa Zé Pilintra do Morro e Pai José Nagô em Biritiba Mirim.
Apesar disso, para ela, hoje em dia, esse cenário vem mudando, mesmo que a passos lentos. A internet é uma aliada no combate ao preconceito. Muitos se tornam umbandistas ou candomblecistas por meio dos conteúdos compartilhados sobre essas religiões.
“Hoje muitas casas mostram um pouco do dia a dia, então foi meio que quebrando esse preconceito, porque quando pensava na religião só pensava em algo ruim, mas hoje viu que não é isso”.
Para o sacerdote candomblecista de Angola, Lindemberg Alves, ou Tata Senza Roxe, como é conhecido nos terreiros de Mogi das Cruzes, o Dia Nacional da Umbanda é importante para os povos de terreiro. Pois é uma data para se lembrar da união de todos.
“É uma religião que resiste até os dias de hoje, de continuar resistindo. O que mais tem impulsionado a umbanda e o candomblé é a juventude. Através das redes sociais, isso vem contribuindo muito, mostrando orgulho da vestimenta. Isso está levando a religião a níveis elevados e em uma linguagem moderna”.
O sacerdote acredita que é necessário mais representatividade na políticas em Mogi das Cruzes. “A gente é uma cidade de centenas de terreiros, mas não temos nenhum representante na política, e isso impede que tenha políticas públicas pros povos de terreiro”.
Saberes Ancestrais
Todo terreiro é um ponto de resistência, sabedoria e território onde os saberes que atravessaram continentes com os negros que aportaram no Brasil para serem escravizados são passados para os filhos e filhas.
Como a história dos orixás Omolu, que é o senhor das palhas, e de Iansã, senhora dos ventos e tempestades. Omolu tinha muita vergonha de mostrar o corpo devido às muitas feridas que tinha.
Até que Iansã que não tinha medo de nada, decidiu tentar ver o que tinha debaixo das palhas de Omolu. Ela fez um vendaval que arrancou as palhas de Omolu. Quando a palha subiu, as feridas viraram pipoca, e por baixo dela, havia um homem muito bonito.
A história de Omolu e Iansã é uma das muitas que Karina Alves dos Santos conhece. Ela é mãe de santo umbandista, mas prefere ser chamada de zeladora, em Biritiba-Mirim.
Ela explicou que os orixás são os guardiões dos pontos de força da natureza e tudo o que se faz na religião é com essa energia.
Há mais de 100 anos, a umbanda é uma religião brasileira de matriz africana. Ela é uma mistura dos cultos realizados pelo povo Banto, que veio de Angola, com os indígenas e também tem influência do catolicismo e do kardecismo.
Mãe Karina de Oyá, como é conhecida, explicou que na umbanda figuras típicas da Igreja Católica, como Jesus e Deus, também são reverenciadas. “Mas a gente não segue a Bíblia como prioridade, a gente respeita e segue aquilo que os orixás, entidades, nos orientam”.
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Em um terreiro, todos são chamados de filhos ou filhas, porque, segundo Mãe Karina de Oyá, é como se o espaço fosse uma segunda casa e todos são de uma mesma família espiritual.
“Eu sou a mãe espiritual. O sentido de mãe é ensinar a andar, a falar, a caminhar. Eu ajudo a caminhar, a andar no caminho certo, ensino o espiritual, como aprender o espiritual, a gente trata mesmo como se fosse filho espiritual, filhos do coração”, destacou.
No terreiro todos são chamados de filhos ou filhas
Karina Alves dos Santos/Arquivo Pessoal
Nesse sentido, a representatividade da mulher é muito importante dentro da religião. Para a sacerdotista tanto na umbanda como no candomblé, a força matriarcal é a potencialidade dessas crenças.
“A mulher é o poder na religião, é ela que acolhe. As combonos são as responsáveis por cuidar das entidades, elas vigiam tudo. Na umbanda, a mulher toca atabaque, não tem problema nenhum, a umbanda é bem acolhedora, ela acolhe todos. Eu tenho um monte de crianças aqui no meu terreiro”.
Segundo mãe Karina, a lei maior da umbanda é o amor e a caridade que é uma missão árdua, mas ao mesmo tempo linda e gratificante.
“É você se doar a alguém que você nunca viu. Doar seu tempo, a gente ajuda com doação de roupa, de alimentos, então a lei maior é a caridade, quem veio para esse mundo e não faz caridade está fazendo errado. A gente se doa por inteiro."
Aos 39 anos, mãe Karina de Oyá é a zeladora da Casa Zé Pilintra do Morro e Pai José Nagô, há cinco anos, em Biritiba Mirim. Ela contou que o encontro com a sua fé não foi um caminho simples.
“Na minha família, minha avó paterna era indígena e meu avô era negro. Já tinha algo espiritual. Minha avó não abriu terreiro, mas fazia as curas em casa mesmo. Desde pequena eu tinha visões, eu via muitos espíritos, eu não entendia direito e minha mãe não aceitava muito porque era muito católica. Eu fui crescendo com isso e fiquei depressiva porque não entendia direito”.
Com o passar dos anos, Karina passou a frequentar centros kardecistas, onde ficou por 10 anos. Até que chegou aos terreiros de umbanda há 15 anos.
Ela tem dois filhos, um de 20 anos e outro de 14 anos. Os dois já fazem parte da casa que coordena. O mais velho atua incorporando e o filho mais novo toca atabaque.
“Tô preparando ele [o filho mais velho] pra ser o pai pequeno da casa, vou ensinar ele pra dar continuidade ao meu legado, quando eu me for”, destacou mãe Karina de Oyá.
Aos 39 anos, mãe Karina de Oyá é zeladora de um terreiro em Biritiba Mirim
Karina Alves dos Santos/Arquivo Pessoal
Preconceito
À frente da luta das religiões de matriz africana em Mogi das Cruzes, o sacerdote candomblecista de Angola, Lindembeg Alves disse que a lei de intolerância religiosa fez com que diminuísse a violência contra as religiões.
Em 2023, a lei 14.532 alterou a lei do crime racial e o código penal. Ela equiparou a injúria racial ao crime de racismo. Desta forma, o preconceito e a desqualificação das religiões afro-brasileiras são considerados racismo religioso.
“Eu tive um caso de um frentista que se recusou a abastecer meu carro, por conta que eu estava trajado com as roupas de Candomblé. Na época, os próprios policiais desmotivaram o registro, e acabei não fazendo porque não ia dar em nada mesmo. Hoje tem a proteção da lei, que é mais rigorosa”, recordou.
Para combater o preconceito, representantes da umbanda, da jurema e das várias vertentes do candomblé da cidade realizam anualmente uma homenagem na Câmara de Vereadores a integrantes dessas religiões. Neste dia, cerca de 15 pessoas são premiadas.
“Desde 2022, que nasceu o prêmio, foi desde quando foi instituído o Dia de Combate à Intolerância Religiosa e dos povos de matriz africana”, contou Alves.
Prêmio Paz e Liberdade ocorre desde 2022 em Mogi das Cruzes
Lindemberg Alves/Arquivo Pessoal
Alves, que também é pedagogo, atua na região oferecendo formação para professores sobre a cultura afro e participa de exposições artísticas inspiradas nos conhecimentos africanos. Para ele, a discriminação não segrega só um segmento, mas sim, todos.
“Creio que a comunicação e a internet trouxeram meios para que as pessoas assumissem ser de terreiro. No IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), antes, as pessoas não assumiam que eram da religião devido ao preconceito. A lei que instituiu o ensino de cultura afro-brasileira e indígena nas escolas. Incentiva ensinar a origem dessas religiões nas escolas”.
Alves e Baba Danilo de Oxaguiã são os idealizadores da homenagem que ocorre em Mogi das Cruzes
Lindemberg Alves/Arquivo Pessoal
Macumba, terreiro, pai de santo, sincretismo e orixá
Provavelmente você já escutou ou leu as palavras macumba, terreiro, pai de santo, orixá e sincretismo. Mas você sabe o que realmente elas significam e a relação delas com as religiões de matriz africana?
Segundo o sacerdote do candomblé de Angola, Lindemberg Alves, ou Tata Senza Roxe, como é conhecido dentro da religião, a palavra terreiro é considerada um ponto de resistência.
“Os cultos antigamente eram feitos na comunidade, terreiro era o quintal. Só que terreiro pode chamar de casa, barracão, terreiro é generalizado”.
Há toda uma ritualística no terreiro antes de receber os filhos para as giras. Mãe Karina de Oyá contou que, no terreiro dela, por exemplo, os encontros ocorrem aos sábados. Os filhos chegam mais cedo, arrumam o local, limpam, organizam e preparam um café para aqueles visitantes que vêm de longe.
“A parte espiritual fica comigo. Tem essa parte em que o povo chega, incorpora, vai conversando com as entidades e vai ajudando as pessoas”.
Na umbanda, os orixás são os guardiões dos pontos de força da natureza.
Karina Alves dos Santos/Arquivo Pessoal
Quando os africanos foram trazidos ao Brasil para serem escravizados, eles passaram a misturar suas formas de culto religioso. Assim surgiram as diferentes vertentes das religiões de matriz africana, como a umbanda, candomblé, quimbanda e jurema.
“Outras formas de cultos que vieram ao longo do tempo. A jurema é afroindígena. A quimbanda tem a energia de força para que os guerreiros pudessem caçar, tem o significado da força”.
No Brasil, são 16 orixás mais conhecidos, considerados protetores. “Nosso deus é o criador de tudo e habita na natureza, tem aqueles guardiões que tomam conta, a gente valoriza como sagrado”, explicou Alves.
Macumba é um termo usado de forma pejorativa e usado, muitas das vezes, sem as pessoas saberem seu significado.
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O sacerdote explicou que no dialeto africano 'ma' quer dizer muitos e 'cumba' sábios, então, macumba significa muitos sábios. Mas também é instrumento musical. “Quem tocava macumba era macumbeira. Esses instrumentos estavam em rodas de capoeira e de cultuação das religiões de matriz africana”.
Já Pai de Santo ou Mãe de Santo geralmente é um termo usado para reverenciar o sacerdote responsável pela casa. No entanto, Alves mencionou que esse termo é usado equivocadamente.
“O Santo é bem mais velho do que a gente. Não tem como sermos pais ou mães de santos. O correto seria falar Pai ou Mãe de filho de santo”.
Um instrumento essencial nas giras, como são conhecidos os momentos de cultuação, é o atabaque. Segundo a mãe Karina de Oyá, é como se ele chamasse as entidades e orixás.
“Ele tem uma ligação muito forte com o nosso transe, a gente escuta o ponto cantado, a gente respeita muito o atabaque, ele é fundamental pro terreiro”, pontou a sacerdotista.
Outra característica marcante das religiões de matriz africana é o uso de roupas brancas e de guias no pescoço. As roupas representam a simplicidade e o branco, a paz. Como se fosse um uniforme de Oxalá, orixá da paz.
Já as guias são aliadas na proteção. “Onde nos faz um campo energético que nos protege das energias negativas que vêm, porque as pessoas de fora vêm com algo muito pesado pra não cair na gente, ela nos protege”.
Alves detalhou que, durante o processo de escravização, muitos aspectos da cultura africana foram perdidos. Quando a umbanda surgiu, para os integrantes poderem cultivar sua religião, eles a associavam ao catolicismo. Daí veio o sincretismo.
“[Hoje] O sincretismo não tem a necessidade de existir, nem pedir permissão pra cultuar. O país é laico e protege a liberdade de culto. A umbanda é um misto de cultura africana sincretizada com a religião católica”.
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Veja tudo sobre o Alto TietêFONTE: https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2025/11/15/dia-da-umbanda-lideres-religiosos-do-alto-tiete-destacam-avancos-e-desafios-contra-a-intolerancia.ghtml